Seu dia começa da pior maneira que se
deveria. Como se não bastasse a maldita neblina que pode ser cortada
com uma faca e o impede de olhar dois centimetros a frente do
caminho, alguém muito inteligente decide que bem na hora que ele
está passando é o melhor momento para se jogar o lixo fora. Sujo,
desorientado e com raiva, pegar um taxi seria a melhor maneira de ele
chegar a seu trabalho sem problemas maiores. Isso é, se ele
encontrasse um taxi livre.
Por fim, depois de muito tempo, ele
consegue achar o lugar onde ele ganha o pouco salário que o mantém porcamente durante o mês. Se fossem apenas 10 libras a mais quem
sabe ele se desse ao luxo de comer alguma coisa fresca.
Apesar de ser uma casa de chá
retirada, ela é frequentada por muitos professores que são atraídos lá pela otima calefação, cadeiras macias e o melhor chá que seus
poucos trocados podem pagar, mas ainda mantendo a classe.
Mesmo tendo que trabalhar apenas a
tarde, o chefe de Carlos tinha algumas particularidades com os
horários. Todo mundo devia apenas bater sua entrada quando o relógio
estivesse em multiplos de 5. já atrasado, e sem tempo para isso, Carlos simplesmente bate seu cartão e começa a trabalhar, até que
seu chefe o chama em sua sala, que não deixava de ser apenas uma
cadeira na bancada da pequena cozinha onde era preparado tudo o que
era servido para os clientes a frente.
-Boa tarde, Carlos, como vai?
Sempre que o assunto começava assim, Carlosjá imaginava que não terminaria bem.
-eu vou bem, mas imagino que esteja
melhor.- Carlos diz, tentando apelar para o emocional de seu chefe.
-sim, eu estaria melhor, se não fosse
isto que vi, logo após você ter chego- diz ele, jogando o cartão
ponto de Carlos, uma das batidas, exatamente aquela que ele havia
feito antes, grifada com um marca texto de cor “ei, olhem quem está
aqui?”
Ali, destacado de uma maneira que não
tinha como se ignorar, o horário indicava 17:03
-sabe como sou com as horas, como
explica isso?
Carlos não tinha as palavras para
justificar. Já tinha ouvido de um funcionario que tinha dito que se
fosse como ele queria, seria tarde demais. Ele nunca mais foi visto
ali.
Dispensado após ouvir um absurdo deste, Carlos desiste de Tudo . Seu emprego não era mais importante, sua casa
e vida também não significavam nada.
Dali em diante, o mundo que se ferrase
que ele não se importava com mais nada.
Mas é claro, depois da hora do chá.
O movimento começava pontualmente as
16:55, tempo suficiente para que quem quer que tivesse chegando se
acomodasse em suas cadeiras preferidas e fizesse seus pedidos, para
que,sàs 17:00 tudo pudesse estar pronto para que eles
pudessem comecar a beber o chá e relaxarem de um dia longo de
trabalho. Carlos, ao ver a quantidade de gente que havia se acumulado
ali, fica desesperado, e então, resolve que nada disso mais importa.
Doutor pasteur o chama a mesa e então,
logo começa a fazer seu pedido
-Boa tarde, senhor garçom- mesmo
depois de 4 meses ali e tendo um crachá no peito que parece um cartaz de teatro, doutor pasteur ainda não o chama pelo nome. Deve ser o
medo de olhar nos olhos de Carlos- vou querer o chá do dia,
acompanhado destes pequenos paezinhos que vocês tem, com um tiquinho
de manteiga e açúcar.
Ainda com o lapis em punho, Carlos aguarda para anotar o restante do pedido, até perceber que doutor
pasteur não está mais olhando para o vasinho que ele sempre fala ao
fazer o pedido e encara a neblina que se acotovela na janela mais
próxima.
Seguindo para a cozinha, Carlos começa
a separar o pedido, e desiste. Se esconde em um dos cantos da
minuscula cozinha, enquanto tenta desviar dos outros garçons que estão se matando para cumprir seus pedidos a tempo.
Encostado em um balcão e longe dos
olhos de seu chefe, Carlos pela primeira vez deixa tudo de lado e só
olha os outros trabalhar. Quando a cozinha começa a esvaziar, seu
chefe o encara e rapidamente, ele retorna a sua rotina de separar o
pedido e então, retorna ao salão.
Doutor pasteur não se moveu um
centimetro que seja depois que Carlos se afastou, e, se não fosse
por um leve levantar de sobrancelhas, ninguém iria perceber que ele
estava incomodado com a demora de seu pedido ser feito.
Lentamente, Carlos começa a deixar as
louças na mesa. Enquanto chama a atenção de doutor pasteur a sua
presença, ele deixa tudo de qualquer jeito. A asa da xícara do lado
de dentro da mesa, o guardanapo de linho branco jogado no centro da
mesa, o prato de paezinhos do lado mais afastado, obrigando que
doutor pasteur tenha que se levantar para poder degustar um dos
pequenos quitutes tão adorados por ele.
Na hora de servir o chá, Carlos enche
a xicara até a borda, com uma água morna e fora da temperatura
agradávelque exige um bom chá. Os sinais de irritação no rosto de
doutor pasteur são agora visiveis: mandibula apertada, sobrancelhas
arqueadas e um leve batucar na mesa indicando a insatisfação que
ele estava tendo com o serviço feito.
Batucar este que se torna um leve tapa
na mesa ao observar que carlos derruba algumas gotas de chá no pires
esmaltado.
-algo mais, senhor?- carlos pergunta,
sorindo levemente, encarando doutor pasteur bem nos olhos, a primeira
vez que ele faz isso em muito tempo. Se preparando para alguma
resposta rigida- caso queira mais algo, apenas me chame,
-temo não querer mais nada hoje,
garoto. Pode sair.
Carlos se afasta, deixando doutor
pasteur aproveitaar seu chá morno e seus paezinhos distantes.
Enquanto o observa comer, ele não pode
deixar de pensar como e triste que alguém assim não tenha coragem
de olhar nos olhos dos outros. Que a educação que cada um tem em
sua infância acaba as vezes trancado otimas chances de travar
conhecimentos e...
tudo foi muito rápido.
Em um segundo, ele estava tentando
arrancar um pedaço de um pãozinho com uma dentada, e no outro, após
um gole de chá, tudo muda.
Doutor pasteur leva as mãos a garganta
e, se não fosse o pequeno jato de chá que sai pelo seu nariz, o ato
nada mais pareceria do que uma coceira ou uma ajeitada na gola.
Tentando não chamar a atenção, doutor pasteur tenta sofregadamente
puxar ar de alguma maneira. As outras pessoa a volta do doutor nem
imaginam o que está acontecendo e continuam a tomar seu chá,
calmamente.
Carlos fica paralisado. Ninguém esboça
uma reação para o ajudar, e o tom de roxo da face de doutor pasteur
está começando a combinar com as cores das cortinas, uma cor nada
agradavel de ser emcontrada em um ser humano.
Um vivo, ao menos.
Ele poderia deixar o doutor cair ali
mesmo, e só no final do dia iriam perceber que ele estava morto,
apenas porque sua xicara continuaria cheia. Não havia obrigação
nenhuma dele fazer alguma coisa, ainda mais em um dia como este que
ele estava tendo, mas nada é assim tão simples.
Passa pela cabeça de carlos a primeira
vez que o doutor chegou ali e ele o serviu, tão rapidamente,
satisfeito com seu serviço e em poder ajudar os outros a relaxarem
pelo menos por alguns momentos de suas vidinhas movimentadas.
Lembrando disso, ele corre até o
doutor e começa a pressionar suas costelas, imaginando que se
aplicasse uma pressão suficcientemente forte ali, seja lá o que for
que estivesse obstruindo o caminho do ar seria movido
ele o aperta uma, duas, três vezes e
nada
uma quarta apertada com tudo esboça
uma reação e ele pode ver que os pulmoes rapidamente se inflam de
ar. Um apertada a mais, por incrivel que pareça, acaba gerando uma
reação adversa.
O pequeno pedaço de pão que estava
alojado na garganta de doutor pasteur se liberta e então, é
impulsionado pelo salão, cobrindo uma grande distancia, até pousar
alguns metros adiante, no chão.
Depois que carlos começou a apertar o
doutor, o salão inteiro ficou em silencio, que continua até a hora
que o pão realiza seu pequeno voo, acompanhado pelos olhares de
todos que ali estavam.
Silencio este que apenas é quebrado
por professor lavoisier, outro dos clientes fixos do lugar, que sem
esboçar nenhuma reação, diz:
-belo lançamento, senhor pasteur,
alguém gostaria de ser o próximo?
Doutor pasteur se levanta, alinha
novamente sua gravata, olha para sua mesa e se senta novamente, não
sem antes responder a professor lavoisier:
-temo que poderia ter sido melhor.
Olhando para carlos, agora em seus
olhos e com um pequeno lampejo de agradecimento, doutor pasteur lhe
pergunta:
-agora, será que eu poderia ter meu
chá trocado? Este parece ter sido feito com algumas folhas velhas.
Não importa quanto tempo passe, nunca
carlos irá entender os ingleses. Mas de uma coisa ele sabe. Raiva
não é a melhor maneira de lidar com eles.
Depois do final deste dia, ele vai para
casa e dorme, imaginando o que aconteceria se ele tivesse deixado o
doutor ali, morrer. No dia seguinte, nada de errado acontece e o dia
parece muito mehor. Nada de raiva o faria estragar este lindo dia.
Nem mesmo um pouco de raiva e vontade de descontar nos outros.
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